20/04/13

O Vingador


Escrito por: Tony Reinke 

Quatro super-heróis se unem no “A Iniciativa Vingadores” — Thor, O Incrível Hulk, Capitão América e Iron Man — uma união dos maiores poderes do mundo, convocados quando o mal cósmico ameaça o planeta.
Essa é a história por detrás de Os Vingadores (2012), um filme que reúne esses quatro super-heróis numa liga. E as audiências têm respondido. Em seus três primeiros dias nos cinemas dos Estados Unidos, o filme alcançou o recorde esmagador de 200 milhões de dólares em bilheteria.
Somos atraídos por esse time de super-heróis porque eles são uma equipe convocada para suprimir o mal. Mas quando saímos do cinema, nos deparamos com perguntas. Por que não vemos Deus destruindo o mal com espada, martelo e punhos? Onde Deus está quando coisas ruins acontecem? Onde Deus está quando os indefesos são abusados? Onde Deus está quando ditadores malignos são seguidos? Onde Deus está quando órfãos são traficados? Por que Deus não intervém na história e acaba com as forças das trevas?
Ansiamos que Deus entre neste mundo, pegue os ditadores orgulhosos e egoístas, os falsos messias e os abusadores. Queremos que Deus pegue o mal pelos pés, como Hulk com o auto-proclamado salvador Loki, e o chicoteie violentamente no concreto como uma boneca de pano. “Deus franzino”, é a única fala de Hulk no filme, e é muito verdadeira. Loki é um deus franzino nas mãos de um Hulk vivo.

“Vingança” é um substantivo, “vingar” é um verbo, e os Vingadores são especialmente ativos em sua defesa contra o mal. Eles são os mocinhos, mas são aqueles que nos lembram que o ato de violência é correto — às vezes. Mas quando, e por quem?
Quando necessário, o governo pode desembainhar a espada e vingar como um servo do Vingador (Romanos 13.4). Mas isso nunca é verdadeiro sobre a Igreja.
“Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor.” (Romanos 12.19)
Em vez de vingança, os cristãos são chamados a oferecer os dois lados da face, perdoar 70 vezes 7, não pagar o mal com mal, e não vingar nada. Somos livres para viver com gentileza e tolerância pois, como Paulo menciona, Deus é o Vingador.
Deus é aquele que paga todo ato mal de pecado e rebelião com sua justa vingança. Para aqueles que se humilham na cruz, a ira do Vingador por nossos pecados — passados, presentes e futuros — caiu sobre Cristo. Para os impenitentes e para aqueles que vivem em contínua rebelião contra Deus, o fogo eterno do inferno revelará a ira do Vingador.

Em todo caso, na cruz ou no julgamento eterno, a vingança de Deus é revelada contra cada ato de rebelião, cada ato de pecado. No final, sua vingança é uma revelação de si mesmo.
“Só existe um Deus”, disse o Capitão América.
“Deus somente é o Vingador”, escreveu Martinho Lutero.
“O SENHOR Deus, a quem a vingança pertence, ó Deus, a quem a vingança pertence, mostra-te resplandecente”, cantou o salmita (Salmos 94.1).
Essa não é como a raiva de retaliação de Hulk. A vingança brilhante de Deus é sua resposta justa ao pecado. É a sua santa sanidade. É uma revelação de si mesmo a qual os cristãos são chamados a adorar.
E embora os Vingadores sejam chamados para restringir as forças malignas, eles são um eco distante dAquele que destroçou, e irá novamente, destroçar o mal, e o fará para sempre.
A vingança de Deus nos lembra que nenhum de nós pode escapar do poder do pecado e de suas justas consequências. Gostaríamos de mudar o foco para os ditadores galáticos malignos, mas não podemos escapar da realidade que somos todos culpados de rebelião por ignorar a Cristo. E Deus é o Vingador de toda rebelião, assim como de nosso motim egocêntrico que despreza o seu Filho amado. O Vingador virá “tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo (2 Tessalonicenses 1.8).
Esse julgamento está chegando. Em breve! Pela fé, vemos a justa vingança vindoura de Deus e corremos para o Sangue de Cristo, e encontramos em Cristo o lugar onde a vingança da santa ira de Deus foi derramada e extinguida, de forma que nossa alegria possa ser plena e completa para sempre.
 
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto – maio/2012.
Fonte: Desiring God


Tony Reinke
Tony Reinke é um estrategista de conteúdo no Desiring God, blogueiro, e autor de Lit! A Christian Guide to Reading Books. Ele mora em Minneapolis com sua esposa, Karalee, e seus três filhos. 

14/04/13

João Calvino, Pastor

"Calvino é pastor zeloso e incansável no seu esforço em favor de suas muitas ovelhas, sofridas e angustiadas por males de toda sorte".
 
 
  por Rev. Fernando Teixeira Arantes

Quem foi João Calvino?
• O grande teólogo da Reforma Protestante do século XVI, autor das Institutas da Religião Cristã.
  • Um grande estrategista político e um dos pais da Democracia moderna .
  
• O "pai do capitalismo" segundo a opinião de Werner Sombart, que foi pro-fessor de sociologia e economia em Breslau e Pisa, e Max Weber, que foi professor de economia em Berlim.

 
 
Além dessas, há tantas outras perspectivas sobre a vida desse homem que é um árduo trabalho mensurar até onde se estende a sua influência no mundo ocidental.
 
 
 
João Calvino viveu num tempo em que o mundo passava por uma ebulição sem precedentes na sua história, a Renascença. Citando alguns nomes contemporâneos a ele, podemos bem aquilatar que aqueles dias legaram grande parte do que consiste hoje a nossa cultura. São eles: Machiavel, Erasmo, Rabelais, Michelangelo, Copérnico, Cer-vantes, Montaigne, Lutero e Shakespeare.
 
 
 
O "Calvinismo", doutrinas, idéias e forma de vida que derivam de João Calvino, não é apenas mais um ramo teológico qualquer. É um modo completo de ver, entender e existir. Um 'sistema de vida' ou uma ‘cosmovisão’, que envolve todos os aspectos da vida humana, não apenas o religioso, e por meio da qual outros sistemas são avaliados .
 
 
 
Neste trabalho, gostaria de olhar para João Calvino como pastor. Minha tese é que o pastorado é o cerne, o catalisador, de tudo que esse homem de Deus foi e realizou. Nesse caso toda a sua obra – Tratados, Comentários bíblicos, Sermões e Cartas – nos é referência, pois nela vemos as evidências claras de sua índole pastoral. Obviamente não será possível explorar aqui todo esse material, mas, sim, cotejar, dessa rica fonte, pre-ciosas partes que nos ajudem a entender que Deus usa vasos de barro para guardar e compartilhar o seu precioso evangelho.
 
 
 
Um exemplo da sua índole pastoral podemos ver na introdução à edição de 1559 das Institutas em que diz:
 
"Na primeira edição desta nossa obra - pois eu estava longe de esperar o êxito que ela teve, que o Senhor lhe propiciou por sua imensa bondade - eu me limitei quase sempre a uma forma sucinta, como acontece com as obras de pe-queno porte. Como porém me apercebi de que ela foi recebida com o favor de quase todos os piedosos, favor que eu jamais teria tido a ousadia de desejar e, muito menos, de esperar, senti na alma que o valor que me atribuíam era maior do que eu merecia. Por essa razão, concluí que seria réu de grande ingratidão se não procurasse - pelo menos até onde me permitiam os meus minguados re-cursos - ir ao encontro dos anseios que, tão generosamente, me dispensaram, e que me desafiava a ser mais empenhadamente diligente.(...) Na verdade, com prova do grande esforço com que me apliquei à tarefa de prestar à Igreja de Deus este serviço, me é possível apresentar o luminoso testemunho de que, no inverno passado, enquanto pensava que, através da febre quarta, a morte se avi-zinhava de mim, quanto mais a enfermidade me pressionava, tanto mais me es-forcei, até que deixei pronto um livro que me sobreviveria e que pudesse re-compensar, em certa medida, a tão benigna acolhida dos piedosos.(...) Além dis-so, neste trabalho, o meu propósito foi o seguinte: De tal modo preparar e ins-truir, para a leitura da Divina Palavra, os candidatos à Sagrada Teologia, que eles não só tenham fácil acesso a ela, mas possam, também, avançar sem trope-ços, nesta escalada(...) Felicidades, leitor amigo e, se destes meus labores co-lheres algum fruto, ajuda-me com as tuas orações diante de Deus, nosso Pai.
 
Genebra, 1º de Agosto de 1559."
 
 
 
Ainda nessa obra, ele inicia o seu ensino afirmando que o propósito da vida hu-mana é conhecer a Deus e conhecer a si mesmo. Ele diz "(...) é notório que o homem jamais chega ao puro conhecimento de si mesmo, se antes não contemplar a face de Deus e, da visão de Deus, descer ao exame de si mesmo" . Essa é, sem dúvida, uma afirmação de alguém que se preocupa com o bem estar temporal tanto quanto com o destino eterno das pessoas.
 
 
 
Suas cartas pessoais , enviadas a amigos e políticos são, de modo peculiar, uma fonte riquíssima de subsídios para alcançarmos o seu coração pastoral. Como diz Ferrei-ra "(...) as cartas são o espelho da alma de quem as escreve, quando nascem de uma necessidade existencial (...)" bem como genuína.
 
 
 
Estamos mais familiarizados com a figura monumental do "Grande Reforma-dor" que com a figura real do pastor João Calvino. Acredito, contudo, que essa perspec-tiva pastoral acerca desse personagem pode nos enriquecer em nossa caminhada como pastores hoje.

  No texto que segue, serão abordados os seguintes tópicos:
 
1. O chamado de João Calvino para o Ministério Pastoral.
 
2. O que significava ser um pastor na Europa do século XVI, especialmente na Suíça e em Genebra?
 
3. Como foi que João Calvino desincumbiu-se de todas as suas tarefas como pastor das ovelhas do rebanho que o Supremo Pastor lhe confiou?
 
4. Como era a sua agenda diária?
 
5. Qual ou quais eram suas maiores motivações no pastorado?
 
6. O que nós, pastores no século XXI, podemos aprender e praticar no ministé-rio pastoral a partir do seu exemplo?
 
 
 
1. O chamado de João Calvino para o Ministério Pastoral.
 
 
  1.1. Primeiro período em Genebra (1536 a 1538).
 
 
João Calvino não teve uma formação específica para o Ministério Pastoral. Ele era um "quase advogado" , especializado na literatura clássica (seu primeiro livro publi-cado foi o seu comentário sobre o Tratado de Clementia de Sêneca). É sabido que ele foi "forçado / empurrado" a essa carreira em julho de 1536, por Guilherme Farel, quan-do passava por Genebra, vindo de Paris, a caminho de Basiléia ou Estrasburgo onde, provavelmente, pretendia fixar residência e estruturar a sua vida como escritor e profes-sor.


  Quatro meses antes, em março de 1536, Calvino havia editado pela primeira vez as Institutas da Religião Cristã, que se tornaram, imediatamente, o livro mais desejado e lido nos lugares onde as idéias reformadas já estavam presentes. Diante desse fato, Fa-rel, que lutava bravamente pelas idéias reformadas naquela cidade, sendo o pastor da igreja de São Pedro, e que reconhecia a necessidade ajuda no seu ministério, viu em Calvino a resposta a suas orações.
 
 
  No encontro que tiveram, Farel convidou Calvino a ficar ali e trabalhar junta-mente com ele pelo estabelecimento de uma igreja protestante. Calvino tinha outros planos e resistiu ao convite veementemente. "Impaciente com as desculpas de Calvino, Farel foi ao ponto de ameaçá-lo dizendo que Deus o castigaria por essa fuga comodista à convocação divina. Tão incisivas foram as palavras de Farel que Calvino sentiu, co-mo ele mesmo diz, parecer que Deus o agarrava com a mão para aquele trabalho."
 
 

A primeira etapa do ministério de Calvino ali foi pouco feliz. A população da ci-dade (entre 12 e 15 mil habitantes) não estava disposta a se submeter à orientação de pastores estrangeiros. Na sua contratação como pastor, funcionário público, o seu nome próprio sequer foi mencionado na ata do conselho da cidade sendo apenas chamado de "o francês" .
 
 
Iniciou seu trabalho como "Professor de Literatura Sagrada" e só depois de al-gum tempo começou a pregar. Envolveu-se inteiramente na organização da igreja de Genebra. Seu primeiro trabalho escrito ali foi um Manual de Doutrina Cristã. Muito aconteceu nesse período. Contudo, não é nosso objetivo explorar essa fase agora. Na Páscoa de 1538 os pastores Calvino e Farel são expulsos de Genebra.
 
 
 
 
 
1.2. Período intermediário em Estrasburgo (1538 a 1541).
 
 
 
Calvino e Farel foram para Basiléia onde permaneceram por um breve período. Farel foi convidado a pastorear em Neuchatel e para lá seguiu. Calvino, psicologica-mente muito abatido com sua primeira experiência pastoral, procurava voltar aos velhos planos de dedicar-se ao magistério, aos estudos e à produção literária. Insistentemente convidado pelo amigo Martin Bucer, voltou para Estrasburgo onde sabia que encontra-ria o apoio do amigo. Contudo, Bucer, que o acolhe muito amigavelmente, dando-lhe trabalho na Academia daquela cidade, pede-lhe que pastoreie a igreja dos refugiados de fala francesa ali radicados. Esses 3 anos foram fundamentais em sua vida. Foi um perío-do de reconstrução.
 
 
 
Nesse período, aos 29 anos de idade, ele se casa com Idalete de Buren, em 14 de agosto de 1540. Seu amigo Farel é quem abençoa a união. Sua vida matrimonial foi curta, mas muito feliz e cheia de ternura. Foi um esposo afetuoso e cuidadoso. Tiveram um filho que morreu poucos dias depois de nascer. Sua esposa morreu em 1549, vítima de tuberculose.
 
 
 
Ali, ao lado de Bucer e de vários outros pastores e teólogos, Calvino adquiriu o que lhe faltava: experiência no ministério pastoral; liturgia e desenvolvimento de um Catecismo. Assim registra Ferreira:
 
"Como era de seu feitio, Calvino estava dentro em pouco envolvido em muitas atividades. Lecionava, pregava em dois ou três pontos diferentes, organi-zava a igreja dos refugiados franceses para a qual formulou a ordem do culto, abrangendo todas as cerimônias, tanto do culto público como da celebração da Santa Ceia, batizados, casamentos, etc. Cuidou com zelo do cântico na igreja, para o que metrificou alguns salmos bem como o cântico de Simeão, o decálogo, adaptando aos seus cânticos muitas músicas do saltério usado por Bucer e utili-zando outras compostas pelo organistas de Estrasburgo, Matias Creiter (...)
 
Ainda, em Estrasburgo, acabou sendo o conselheiro de muitos, inclusive estudantes, que, vindo de outros lugares, se tornaram seus alunos. A casa de Calvino ali era uma colméia, segundo o testemunho de Jean Cadier, aonde mui-tos vinham desejosos de obter a sua orientação, tanto para problemas materiais como espirituais.
 
Um pastor de imigrantes estrangeiros tem que se multiplicar no desem-penho de atividades diversas para atender às necessidades de suas ovelhas (...)
 
Em Estrasburgo o trabalho ia muito bem. A sua estima crescera na cida-de, onde gozava de alto conceito entre os colegas e de grande admiração por parte do povo em geral.
 
Na Europa o seu nome se projetava como um autêntico líder intelectual da Reforma. A pequena igreja de refugiados franceses crescera, arrolara uns quatrocentos a quinhentos membros e se tornara uma igreja disciplinada e bem organizada. Muitos vinham de outros lugares, fugindo às perseguições, ao mes-mo tempo atraídos pela fama do pregador e pastor. O trabalho era cada vez maior. Cartas e mais cartas; revisão de livros para publicação; entrevistas com pessoas que vinham à sua procura; a pregação, várias vezes por semana; as au-las de teologia; a participação em conferências fora de Estrasburgo. Estava, no entanto, feliz; pois era assim que Calvino sabia viver, e iria viver, a sua curta existência, apesar de sempre doente - "Um homem inválido que fazia o trabalho de quatro a cinco diferentes profissões", como queria Zweig."
 
 
 
 
 
1.3. Segundo período em Genebra (1541 a 1564).
 
 
 
Voltar para a cidade de onde fora expulso era como se precipitar num já conhe-cido abismo. Aos que insistiam na sua volta Calvino Afirma “Se eu tivesse outra esco-lha jamais concordaria com vocês nessa matéria, mas desde que me lembro que eu não mais pertenço a mim mesmo, eu ofereço o meu coração a Deus como um sacrifício” .
 
 
 
Definitivamente Genebra não estava nos planos daquele pastor. São suas pala-vras: “Não há lugar debaixo do céu que eu mais tema do que Genebra; não que eu dela desgoste, mas porque eu vejo tanta dificuldade no meu caminho que me sinto desquali-ficado para enfrentá-la. Quando me recordo do que ali passei, não sinto outra coisa senão um calafrio de pensar que serei obrigado a renovar as velhas disputas” .
 
 
 
“O Francês” volta em setembro de 1541. Conforme registra Bonnet “no primeiro Domingo em que está na cidade ele sobe ao púlpito da sua igreja e abre a Bíblia na mesma página em que pregara seu último sermão, na Páscoa, três anos e meio atrás, lê a passagem seguinte e a expõe como se nada tivesse acontecido. Essa é a sua maneira de demonstrar o seu perdão para com as faltas contra ele cometidas e de afirmar a convicção do seu chamado e o fundamento do seu trabalho que é a infalível Palavra de Deus”.
 
 
 
Por mais de vinte anos ele se desincumbe do ministério que Deus lhe dá. Uma pequena mostra do seu labor pastoral teremos nos tópicos seguintes.
 
 
 
 
 
2. O que significava ser um pastor na Europa do século XVI especialmente na Suíça e em Genebra?
 
 
 
O século XVI foi um período de grandes descobertas, mudanças e turbulência. Cairns nos lembra das seguintes mudanças:
 
 
 
a. Geográficas - Começam as explorações marítimas e a descoberta de outros conti-nentes. Em 1492 Colombo chega à América. Em 1500 os portugueses chegam ao Brasil. Em 1522 Magalhães completa a sua volta ao mundo. As rotas marítimas para o Oriente, com suas riquezas e especiarias, tornam-se uma realidade. Portugal, Fran-ça e Espanha, países católicos, tornam-se líderes mundiais nas navegações, seguidos por Inglaterra e Holanda, países protestantes.
 
b. Políticas - O novo conceito da "Nação-Estado" começa a substituir o do "Estado-Universal". Os governos nacionais se fortalecem, armam seus exércitos e procuram se livrar da autoridade e da interferência da igreja romana em seus assuntos internos.
 
c. Econômicas - Consolidou-se a economia do comércio e enfraqueceu-se a economia da agricultura. O crescimento e o surgimento de novas cidades, a abertura de novos mercados e a descoberta e a extração de novas matérias primas, vindas do Oriente e das Américas, faz surgir a "Classe Média Mercantil" que toma a frente da "Nobreza Feudal". A essa nova classe não interessava o envio de suas riquezas a uma "Igreja Universal em Roma".
 
d. Sociais - A organização social horizontal, na qual a pessoa morria na mesma classe social em que havia nascido, foi substituída pela vertical, na qual a nova classe mé-dia passou a figurar.
 
e. Intelectuais - O Renascimento desperta o interesse pelos escritos clássicos, pelos Pais da Igreja e pela Bíblia. Volta-se ao estudo das línguas originais das escrituras e ressalta-se, especialmente, as diferenças entre a Igreja do N.T. e a Igreja Romana. O humanismo ressalta o lugar e o valor do indivíduo. A salvação eterna passa a ser um assunto a ser resolvido entre a pessoa e Deus diretamente, sem a necessidade de in-termediários.
 
f. Religiosas - A uniformidade religiosa medieval deu lugar à diversidade religiosa no século XVI. A Bíblia começou a falar mais alto que os dogmas da Igreja Romana. O sacerdócio universal do crente foi substituindo a figura do sacerdote intermediário. Surgem as igrejas protestantes nacionais como a Anglicana, a Luterana, a de Gene-bra, a Presbiteriana etc.
 
 
 
"Entre a época da descoberta da América, por Colombo, e a fixação das 95 teses na porta da igreja de Wittenberg, em 1517, por Lutero, transformações surpreendentes aconteceram ou começaram a acontecer. Os padrões estáticos da civilização medieval foram substituídos pelos padrões dinâmicos da socieda-de moderna (...)"
 
 
 
A turbulência da época se ilustra nas informações que se seguem:
 
 
 
Havia guerras ou conflitos menores praticamente em todas as nações. Os reis, os príncipes e os soberanos lutavam entre si por domínios territoriais, soberania e, também, contra o poder da Igreja Romana em seus governos. A questão da "Esfera da Soberania entre a Igreja e o Estado" tomava conta da Europa. Nos dias de Calvino o maior confli-to travava-se entre o imperador Carlos V e o rei Francisco I da França.
 
 
 
Quando Calvino chega a Genebra, como nos informa Ferreira, a cidade, à seme-lhança do que havia acontecido com outras da Suíça, acabava de sair do domínio "dis-cricionário do Duque de Sabóia e da tutela de ferro do bispo (Sadoleto?), seu aliado (...) – [o duque] que apesar de ser autoridade secular se sujeitava quase a uma condi-ção de vassalo do prepotente bispo que de fato governava (...). Foi reorganizado o governo com o concílio de duzentos (...) coadjuvado por um concílio menor e uma as-sembléia do povo".
 
 
 
Lembremos que João Calvino havia saído de Paris, indo primeiramente para Es-trasburgo, para fugir da ira e da perseguição dos que não admitiam aqueles que susten-tavam as idéias protestantes.
 
 
 
Havia, também, naqueles dias doenças e pragas que assolavam, às vezes, vilas inteiras.
 
 
 
Calvino era um homem de saúde frágil. Para piorar ele estudou em Paris na es-cola Montaigu, que, a despeito de ser um dos centros de maior academicismo de então, onde estudou Erasmo antes dele, deixava nos ex-alunos "(...)lembranças sombrias do ambiente insuportável, da disciplina cruel, da falta de higiene, da comida mal prepara-da, dos vermes (...) Os quartos eram próximos das privadas fétidas e infecciosas; mui-tos estudantes ali adquiriram enfermidades graves e incuráveis, alguns morreram e havia casos de cegueira e até lepra (...) Além disso, os castigos corporais eram prati-cados com severidade, as horas de estudo esticadas, com tempo limitado para as refei-ções."
 
 
 
Sua necessidade material era tão grande no começo de seu ministério pastoral que ele teve de vender parte da sua biblioteca para se sustentar. Sua primeira remunera-ção como pastor só veio 8 meses após ter começado a trabalhar e era, ainda assim, insu-ficiente para uma vida confortável. Havia dias em que ele não tinha como comprar co-mida.
 
 
 
Em meio aos grandes obstáculos Calvino tinha uma agenda cheia de compromis-sos essencialmente pastorais. Preparava seus sermões e aulas, pregava e ensinava, es-crevia cartas, ampliava as Institutas – para o maior benefício dos piedosos, recebia pes-soas para entrevistas e aconselhamentos, articulava o Movimento Protestante.
 
 
 
 
 
3. Como foi que João Calvino desincumbiu-se de todas as suas tarefas como pas-tor das ovelhas do rebanho que o Supremo Pastor lhe confiou?
 
 
 
Metade da sua vida, 27 anos, “o Francês” pastoreou o rebanho de Deus sendo conselheiro, encorajador e consolador das pessoas que lhe procuravam ou as quais ele procurava. Nas palavras de Ferreira "Calvino é pastor zeloso e incansável no seu esfor-ço em favor de suas muitas ovelhas, sofridas e angustiadas por males de toda sorte" .
 
 
 
Conforme registro de um dos seus colegas de ministério em Genebra, “(...) os que lhe procuram são recebidos com simpatia, gentileza e sensibilidade. Ele os atende e prontamente lhes responde as perguntas, mesmo as mais sérias delas. Sua sabedoria é demonstrada nas entrevistas particulares tanto quanto nas conversas públicas onde ele conforta os entristecidos e encoraja os abatidos...”
 
 
 
Entre outros exemplos que demonstram o seu cuidado para com as pessoas ao seu redor, há um acontecimento em 1538 que ilustra bem seu espírito pastoral. Calvino estava em Basiléia quando soube que um sobrinho de Farel havia contraído a peste. Sem hesitar, impulsionado pela compaixão de Cristo, ele vai à casa do rapaz a fim de confor-tá-lo e consolá-lo com as verdades e as promessas do evangelho do Senhor Jesus. Ali ele permanece, ajudando também nos afazeres domésticos e no cuidado com o mori-bundo até a sua morte. Além disso Calvino pagou as despesas daquele funeral.
 
 
 
A pregação do evangelho de Jesus Cristo, das Escrituras no seu todo, constituía o fundamento do seu labor pastoral. Ele estava convicto de que pela exposição da Pala-vra de Deus as almas são conduzidas à liberdade e à segurança da fé salvadora. A ver-dadeira pregação, segundo Calvino, abre a porta do reino de Deus aos ouvintes e lhes apresenta a graça de Deus de forma que eles a podem receber e dela usufruir em seus corações.
 
 
 
Suas cartas, escritas pelos mais variados motivos, demonstram seu interesse pelo bem estar eterno e temporal dos destinatários, muitos dos quais encontravam-se em cir-cunstâncias atribuladas, alguns pondo em risco as suas vidas por causa de sua fé. Entre a multidão delas destaco a que ele enviou ao Almirante Coligny, em 4 de setembro de 1558, quando este se encontrava preso e doente, às portas da morte. Calvino lhe diz que escrevia para “(...)fornecer-lhe uma prova do interesse que tenho na sua salvação” . O conteúdo da carta versa sobre Deus e sua glória e as promessas de Cristo aos que nele confiam. No mesmo dia ele escreveu também à senhora Coligny, aconselhando-a e en-corajando-a em um momento de grande aflição como aquele.
 
 
 
Além das cartas, das pregações, das Institutas e de seus comentários bíblicos, há também os textos polêmicos onde o Francês trata de assuntos difíceis e controversos como, por exemplo, seu tratado “Concernente aos Escândalos” no qual ele adverte os fiéis com respeito aos obstáculos e aos perigos da vida cristã, mormente em contato com a oposição de um mundo hostil aos valores e aos caminhos de Deus. Ao explicar a razão de escrever um texto assim ele diz: “(...) um livro assim aparece pela necessidade de muitos...Minha preocupação é com os fracos, pois quando a fé deles é abalada, então é nossa função rês -los com o sustento das nossas mãos” . Sua índole pastoral está também presente no confronto com seus oponentes teológicos conforme observa “(...) o verdadeiro pastor tem duas vozes diferentes: uma para chamar as ovelhas e outra para espantar os lobos que impedem o trabalho de Deus” .
 
 
 
 
 
4. Como era a sua agenda diária?
 
 
 
Em sua lide como Cura de Almas, o pastor Calvino buscava conciliar momentos privados e públicos. Seus compromissos públicos tais como pregações, aulas, palestras, aconselhamentos, entrevistas e visitas eram precedidos por horas de preparação em ora-ção e estudo pessoal. Lembremos que ele era o pastor responsável por uma equipe de pastores, professores e outros obreiros que, sob a sua batuta, serviam ao povo de Deus em suas necessidades. Havia também muitas questões administrativas a serem tratadas que requeriam um bom tempo.
 
 
 
Calvino acreditava que o ensino, além de ser público nos cultos, deveria ser a-companhado por discipulado pessoal e aplicado às circunstâncias específicas da vida de cada crente. Isso, obviamente, tinha lugar na sua agenda e na dos seus colegas. Atendia noivos que se preparavam para as núpcias, pais que trariam os seus filhos para serem batizados ou que enfrentavam dificuldades na criação dos filhos, pessoas com dúvidas ou dificuldades doutrinárias, visitava os enfermos, ouvia confissões daqueles que qui-sessem, por escolha pessoal, rês-las aos pastores, que as recebiam e promoviam o comforto e o encorajamento necessários .
 
 
 
Aos Domingos o culto matutino era às seis da manhã, às sete no inverno, e a ex-posição bíblica concentrava-se em textos do Novo Testamento; aula para catecúmenos ao meio-dia e outro culto às três da tarde, em que pregava no livro dos Salmos. Ele tam-bém pregava durante os dias da semana expondo os livros do Antigo Testamento do começo ao fim.
 
 
 
Além das suas tarefas como pastor de uma igreja local, é preciso lembrar que ele era articulador, provavelmente o maior, do movimento reformado. Genebra, conseqüen-temente, era o melhor lugar para se estar naqueles dias. Havia imigrantes e visitantes de todos os lugares. Consultas e pedidos variados surgiam de toda parte e a agitação rêscia a cada dia.
 
 
 
 
 
5. Qual ou quais eram suas maiores motivações no pastorado?
 
 
 
Seu chamado para a carreira pastoral, contrariando seus planos iniciais, instru-mentalizado de forma dramática por Farel, foi por ele entendido como uma vocação irresistível da parte de Deus. Calvino enfrentou forte oposição praticamente durante todo o seu ministério pastoral, mas foi em frente pois estava certo de que servia ao Deus único e verdadeiro, que o acompanhava em todos os momentos da sua vida.
 
 
 
Ele foi chamado a fim de cumprir uma missão. A missão de Deus e não sua pró-pria. Ele enfrenta os revezes sabendo que, embora nem todos os seus planos se concreti-zem, o plano de Deus está se cumprindo, também através da sua vida. Seu coração está nas mãos de Deus. Ele paga o preço da obediência ao Senhor e Salvador. Ele segue adi-ante atendendo em sua vida o que a sua mente entende e elabora a partir das Escrituras.
 
 
 
 
 
6. O que nós, pastores no século XXI, podemos aprender e praticar no ministério pastoral a partir do seu exemplo?
 
 
 
Creio que aqui podemos apontar a vida do nosso personagem como um exemplo de atendimento à orientação que o apóstolo nos dirige ao dizer: “Rogo, pois, aos presbí-teros que há entre vós, eu, presbítero como eles, e testemunha dos sofrimentos de Cris-to, e ainda co-participante da glória que há de ser revelada: pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho. Ora, logo que o Supre-mo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória” (1 Pedro 5.1-4).
 
 
 
A espontaneidade no pastorado. Uma vez que estamos certos de que a vocação de nossas vidas é o pastoreio do povo de Deus, trabalhemos sem reservas, confiando naquele que nos vocaciona. O ministério pastoral, tal qual a vida cristã, sempre envolve-rá riscos, perigos e perseguições. Estamos lidando com valores eternos e mexendo no “vespeiro” da alma humana que, por natureza, é rebelde a Deus. Nosso colega francês do passado nos ensina que precisamos reconhecer nossas limitações pessoais e confiar que Aquele que nos chamou pela sua sabedoria e graça nos capacitará e nos fortalecerá em todo o tempo. Espontaneidade vem em conseqüência da confiança e da comunhão que temos no Senhor Jesus.
 
 
 
A boa vontade do cura de almas. É o desejo de ver prevalecer os caminhos san-tos e gloriosos do Senhor em meio ao descaminho humano. Pastoreamos assim quando andamos em direção contrária à corrupção interna e externa que nos assedia, seguindo pela vereda da justiça por amor do Seu nome, submetendo a nossa vontade pessoal aos bons e perfeitos desígnios do nosso soberano Deus. Essa atitude atrai outras pessoas que sabem que não serão meramente atendidas pelo pastor por obrigação da função, mas serão acolhidas e amadas pelo servo de Deus, que as ouvirá com atenção e as ajudará a andar na jornada da fé.
 
 
 
O modelo para o rebanho. O exemplo é mais eloqüente que as palavras. O pastor que vive aquilo que prega tem autoridade diante da sua congregação. O dominador im-põe ou reivindica respeito pela sua posição, mas o servo de Deus que anda em fidelida-de conquista a confiança dos seus irmãos em Cristo e conseqüentemente tem autoridade diante deles. Sua palavra é recebida com atenção e respeito. Ele liberta e não aprisiona. Ele constrói pontes e não obstáculos. Ele opta pela iluminada via da integridade evitan-do a politicalização dos assuntos. O rebanho o segue!
 
 
 
João Calvino fez escola! Ele foi um homem acima da média. Creio que pode-mos dizer que foi um gênio. Diante de homens da sua magnitude temos a tendência de criar uma personagem que obscurece a pessoa. Isto indubitavelmente tem acontecido no seu caso.
 
 
 
Resgatar o pastor João Calvino parece-me importante nesse momento em que os modelos pastorais tornam-se cada dia mais confusos e os pastores que servem a Deus com fidelidade, oração e desprendimento mais raros.
 
 
 
Creio que a atitude do nosso colega João Calvino continua muito própria e rele-vante, tendo lugar garantido entre nós na alvorada desse novo milênio. A sua decisão pode ser também a nossa: “(...)mas desde que me lembro que eu não mais pertenço a mim mesmo, eu ofereço o meu coração a Deus como um sacrifício”.
 
 
 
Soli Deo Glória.
 
 
 
 
 
Fernando Teixeira Arantes, rev.
 
Campinas – SP. (19) 32418533.
 
Texto originalmente publicado na Revista Teológica do Seminário Presbiteriano do Sul (Volume 62, Julho de 2002).
 
 
 
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(João Calvino, Pastor)