por Rev. Fernando Teixeira Arantes
Quem foi João Calvino?
• O grande teólogo da Reforma Protestante do século XVI, autor das Institutas da Religião Cristã.
 
• Um grande estrategista político e um dos pais da Democracia moderna .
• O "pai do capitalismo" segundo a opinião de Werner Sombart, que foi 
pro-fessor de sociologia e economia em Breslau e Pisa, e Max Weber, que 
foi professor de economia em Berlim.
Além dessas, há tantas outras perspectivas sobre a vida desse homem que é
 um árduo trabalho mensurar até onde se estende a sua influência no 
mundo ocidental.
João Calvino viveu num tempo em que o mundo passava por uma ebulição sem
 precedentes na sua história, a Renascença. Citando alguns nomes 
contemporâneos a ele, podemos bem aquilatar que aqueles dias legaram 
grande parte do que consiste hoje a nossa cultura. São eles: Machiavel, 
Erasmo, Rabelais, Michelangelo, Copérnico, Cer-vantes, Montaigne, Lutero
 e Shakespeare.
O "Calvinismo", doutrinas, idéias e forma de vida que derivam de João 
Calvino, não é apenas mais um ramo teológico qualquer. É um modo 
completo de ver, entender e existir. Um 'sistema de vida' ou uma 
‘cosmovisão’, que envolve todos os aspectos da vida humana, não apenas o
 religioso, e por meio da qual outros sistemas são avaliados .
Neste trabalho, gostaria de olhar para João Calvino como pastor. Minha 
tese é que o pastorado é o cerne, o catalisador, de tudo que esse homem 
de Deus foi e realizou. Nesse caso toda a sua obra – Tratados, 
Comentários bíblicos, Sermões e Cartas – nos é referência, pois nela 
vemos as evidências claras de sua índole pastoral. Obviamente não será 
possível explorar aqui todo esse material, mas, sim, cotejar, dessa rica
 fonte, pre-ciosas partes que nos ajudem a entender que Deus usa vasos 
de barro para guardar e compartilhar o seu precioso evangelho.
Um exemplo da sua índole pastoral podemos ver na introdução à edição de 1559 das Institutas em que diz:
"Na primeira edição desta nossa obra - pois eu estava longe de esperar o
 êxito que ela teve, que o Senhor lhe propiciou por sua imensa bondade -
 eu me limitei quase sempre a uma forma sucinta, como acontece com as 
obras de pe-queno porte. Como porém me apercebi de que ela foi recebida 
com o favor de quase todos os piedosos, favor que eu jamais teria tido a
 ousadia de desejar e, muito menos, de esperar, senti na alma que o 
valor que me atribuíam era maior do que eu merecia. Por essa razão, 
concluí que seria réu de grande ingratidão se não procurasse - pelo 
menos até onde me permitiam os meus minguados re-cursos - ir ao encontro
 dos anseios que, tão generosamente, me dispensaram, e que me desafiava a
 ser mais empenhadamente diligente.(...) Na verdade, com prova do grande
 esforço com que me apliquei à tarefa de prestar à Igreja de Deus este 
serviço, me é possível apresentar o luminoso testemunho de que, no 
inverno passado, enquanto pensava que, através da febre quarta, a morte 
se avi-zinhava de mim, quanto mais a enfermidade me pressionava, tanto 
mais me es-forcei, até que deixei pronto um livro que me sobreviveria e 
que pudesse re-compensar, em certa medida, a tão benigna acolhida dos 
piedosos.(...) Além dis-so, neste trabalho, o meu propósito foi o 
seguinte: De tal modo preparar e ins-truir, para a leitura da Divina 
Palavra, os candidatos à Sagrada Teologia, que eles não só tenham fácil 
acesso a ela, mas possam, também, avançar sem trope-ços, nesta 
escalada(...) Felicidades, leitor amigo e, se destes meus labores 
co-lheres algum fruto, ajuda-me com as tuas orações diante de Deus, 
nosso Pai.
Genebra, 1º de Agosto de 1559."
Ainda nessa obra, ele inicia o seu ensino afirmando que o propósito da 
vida hu-mana é conhecer a Deus e conhecer a si mesmo. Ele diz "(...) é 
notório que o homem jamais chega ao puro conhecimento de si mesmo, se 
antes não contemplar a face de Deus e, da visão de Deus, descer ao exame
 de si mesmo" . Essa é, sem dúvida, uma afirmação de alguém que se 
preocupa com o bem estar temporal tanto quanto com o destino eterno das 
pessoas.
Suas cartas pessoais , enviadas a amigos e políticos são, de modo 
peculiar, uma fonte riquíssima de subsídios para alcançarmos o seu 
coração pastoral. Como diz Ferrei-ra "(...) as cartas são o espelho da 
alma de quem as escreve, quando nascem de uma necessidade existencial 
(...)" bem como genuína.
Estamos mais familiarizados com a figura monumental do "Grande 
Reforma-dor" que com a figura real do pastor João Calvino. Acredito, 
contudo, que essa perspec-tiva pastoral acerca desse personagem pode nos
 enriquecer em nossa caminhada como pastores hoje.
 
No texto que segue, serão abordados os seguintes tópicos:
1. O chamado de João Calvino para o Ministério Pastoral.
2. O que significava ser um pastor na Europa do século XVI, especialmente na Suíça e em Genebra?
3. Como foi que João Calvino desincumbiu-se de todas as suas tarefas 
como pastor das ovelhas do rebanho que o Supremo Pastor lhe confiou?
4. Como era a sua agenda diária?
5. Qual ou quais eram suas maiores motivações no pastorado?
6. O que nós, pastores no século XXI, podemos aprender e praticar no ministé-rio pastoral a partir do seu exemplo?
1. O chamado de João Calvino para o Ministério Pastoral.
 
1.1. Primeiro período em Genebra (1536 a 1538).
João Calvino não teve uma formação específica para o Ministério 
Pastoral. Ele era um "quase advogado" , especializado na literatura 
clássica (seu primeiro livro publi-cado foi o seu comentário sobre o 
Tratado de Clementia de Sêneca). É sabido que ele foi "forçado / 
empurrado" a essa carreira em julho de 1536, por Guilherme Farel, 
quan-do passava por Genebra, vindo de Paris, a caminho de Basiléia ou 
Estrasburgo onde, provavelmente, pretendia fixar residência e estruturar
 a sua vida como escritor e profes-sor.
 
Quatro meses antes, em março de 1536, Calvino havia editado pela 
primeira vez as Institutas da Religião Cristã, que se tornaram, 
imediatamente, o livro mais desejado e lido nos lugares onde as idéias 
reformadas já estavam presentes. Diante desse fato, Fa-rel, que lutava 
bravamente pelas idéias reformadas naquela cidade, sendo o pastor da 
igreja de São Pedro, e que reconhecia a necessidade ajuda no seu 
ministério, viu em Calvino a resposta a suas orações.
 
No encontro que tiveram, Farel convidou Calvino a ficar ali e trabalhar 
junta-mente com ele pelo estabelecimento de uma igreja protestante. 
Calvino tinha outros planos e resistiu ao convite veementemente. 
"Impaciente com as desculpas de Calvino, Farel foi ao ponto de ameaçá-lo
 dizendo que Deus o castigaria por essa fuga comodista à convocação 
divina. Tão incisivas foram as palavras de Farel que Calvino sentiu, 
co-mo ele mesmo diz, parecer que Deus o agarrava com a mão para aquele 
trabalho."
A primeira etapa do ministério de Calvino ali foi pouco feliz. A 
população da ci-dade (entre 12 e 15 mil habitantes) não estava disposta a
 se submeter à orientação de pastores estrangeiros. Na sua contratação 
como pastor, funcionário público, o seu nome próprio sequer foi 
mencionado na ata do conselho da cidade sendo apenas chamado de "o 
francês" .
Iniciou seu trabalho como "Professor de Literatura Sagrada" e só depois 
de al-gum tempo começou a pregar. Envolveu-se inteiramente na 
organização da igreja de Genebra. Seu primeiro trabalho escrito ali foi 
um Manual de Doutrina Cristã. Muito aconteceu nesse período. Contudo, 
não é nosso objetivo explorar essa fase agora. Na Páscoa de 1538 os 
pastores Calvino e Farel são expulsos de Genebra.
1.2. Período intermediário em Estrasburgo (1538 a 1541).
Calvino e Farel foram para Basiléia onde permaneceram por um breve 
período. Farel foi convidado a pastorear em Neuchatel e para lá seguiu. 
Calvino, psicologica-mente muito abatido com sua primeira experiência 
pastoral, procurava voltar aos velhos planos de dedicar-se ao 
magistério, aos estudos e à produção literária. Insistentemente 
convidado pelo amigo Martin Bucer, voltou para Estrasburgo onde sabia 
que encontra-ria o apoio do amigo. Contudo, Bucer, que o acolhe muito 
amigavelmente, dando-lhe trabalho na Academia daquela cidade, pede-lhe 
que pastoreie a igreja dos refugiados de fala francesa ali radicados. 
Esses 3 anos foram fundamentais em sua vida. Foi um perío-do de 
reconstrução.
Nesse período, aos 29 anos de idade, ele se casa com Idalete de Buren, 
em 14 de agosto de 1540. Seu amigo Farel é quem abençoa a união. Sua 
vida matrimonial foi curta, mas muito feliz e cheia de ternura. Foi um 
esposo afetuoso e cuidadoso. Tiveram um filho que morreu poucos dias 
depois de nascer. Sua esposa morreu em 1549, vítima de tuberculose.
Ali, ao lado de Bucer e de vários outros pastores e teólogos, Calvino 
adquiriu o que lhe faltava: experiência no ministério pastoral; liturgia
 e desenvolvimento de um Catecismo. Assim registra Ferreira:
"Como era de seu feitio, Calvino estava dentro em pouco envolvido em 
muitas atividades. Lecionava, pregava em dois ou três pontos diferentes,
 organi-zava a igreja dos refugiados franceses para a qual formulou a 
ordem do culto, abrangendo todas as cerimônias, tanto do culto público 
como da celebração da Santa Ceia, batizados, casamentos, etc. Cuidou com
 zelo do cântico na igreja, para o que metrificou alguns salmos bem como
 o cântico de Simeão, o decálogo, adaptando aos seus cânticos muitas 
músicas do saltério usado por Bucer e utili-zando outras compostas pelo 
organistas de Estrasburgo, Matias Creiter (...)
Ainda, em Estrasburgo, acabou sendo o conselheiro de muitos, inclusive 
estudantes, que, vindo de outros lugares, se tornaram seus alunos. A 
casa de Calvino ali era uma colméia, segundo o testemunho de Jean 
Cadier, aonde mui-tos vinham desejosos de obter a sua orientação, tanto 
para problemas materiais como espirituais.
Um pastor de imigrantes estrangeiros tem que se multiplicar no 
desem-penho de atividades diversas para atender às necessidades de suas 
ovelhas (...)
Em Estrasburgo o trabalho ia muito bem. A sua estima crescera na 
cida-de, onde gozava de alto conceito entre os colegas e de grande 
admiração por parte do povo em geral.
Na Europa o seu nome se projetava como um autêntico líder intelectual da
 Reforma. A pequena igreja de refugiados franceses crescera, arrolara 
uns quatrocentos a quinhentos membros e se tornara uma igreja 
disciplinada e bem organizada. Muitos vinham de outros lugares, fugindo 
às perseguições, ao mes-mo tempo atraídos pela fama do pregador e 
pastor. O trabalho era cada vez maior. Cartas e mais cartas; revisão de 
livros para publicação; entrevistas com pessoas que vinham à sua 
procura; a pregação, várias vezes por semana; as au-las de teologia; a 
participação em conferências fora de Estrasburgo. Estava, no entanto, 
feliz; pois era assim que Calvino sabia viver, e iria viver, a sua curta
 existência, apesar de sempre doente - "Um homem inválido que fazia o 
trabalho de quatro a cinco diferentes profissões", como queria Zweig."
1.3. Segundo período em Genebra (1541 a 1564).
Voltar para a cidade de onde fora expulso era como se precipitar num já 
conhe-cido abismo. Aos que insistiam na sua volta Calvino Afirma “Se eu 
tivesse outra esco-lha jamais concordaria com vocês nessa matéria, mas 
desde que me lembro que eu não mais pertenço a mim mesmo, eu ofereço o 
meu coração a Deus como um sacrifício” .
Definitivamente Genebra não estava nos planos daquele pastor. São suas 
pala-vras: “Não há lugar debaixo do céu que eu mais tema do que Genebra;
 não que eu dela desgoste, mas porque eu vejo tanta dificuldade no meu 
caminho que me sinto desquali-ficado para enfrentá-la. Quando me recordo
 do que ali passei, não sinto outra coisa senão um calafrio de pensar 
que serei obrigado a renovar as velhas disputas” .
“O Francês” volta em setembro de 1541. Conforme registra Bonnet “no 
primeiro Domingo em que está na cidade ele sobe ao púlpito da sua igreja
 e abre a Bíblia na mesma página em que pregara seu último sermão, na 
Páscoa, três anos e meio atrás, lê a passagem seguinte e a expõe como se
 nada tivesse acontecido. Essa é a sua maneira de demonstrar o seu 
perdão para com as faltas contra ele cometidas e de afirmar a convicção 
do seu chamado e o fundamento do seu trabalho que é a infalível Palavra 
de Deus”.
Por mais de vinte anos ele se desincumbe do ministério que Deus lhe dá. 
Uma pequena mostra do seu labor pastoral teremos nos tópicos seguintes.
2. O que significava ser um pastor na Europa do século XVI especialmente na Suíça e em Genebra?
O século XVI foi um período de grandes descobertas, mudanças e turbulência. Cairns nos lembra das seguintes mudanças:
a. Geográficas - Começam as explorações marítimas e a descoberta de 
outros conti-nentes. Em 1492 Colombo chega à América. Em 1500 os 
portugueses chegam ao Brasil. Em 1522 Magalhães completa a sua volta ao 
mundo. As rotas marítimas para o Oriente, com suas riquezas e 
especiarias, tornam-se uma realidade. Portugal, Fran-ça e Espanha, 
países católicos, tornam-se líderes mundiais nas navegações, seguidos 
por Inglaterra e Holanda, países protestantes.
b. Políticas - O novo conceito da "Nação-Estado" começa a substituir o 
do "Estado-Universal". Os governos nacionais se fortalecem, armam seus 
exércitos e procuram se livrar da autoridade e da interferência da 
igreja romana em seus assuntos internos.
c. Econômicas - Consolidou-se a economia do comércio e enfraqueceu-se a 
economia da agricultura. O crescimento e o surgimento de novas cidades, a
 abertura de novos mercados e a descoberta e a extração de novas 
matérias primas, vindas do Oriente e das Américas, faz surgir a "Classe 
Média Mercantil" que toma a frente da "Nobreza Feudal". A essa nova 
classe não interessava o envio de suas riquezas a uma "Igreja Universal 
em Roma".
d. Sociais - A organização social horizontal, na qual a pessoa morria na
 mesma classe social em que havia nascido, foi substituída pela 
vertical, na qual a nova classe mé-dia passou a figurar.
e. Intelectuais - O Renascimento desperta o interesse pelos escritos 
clássicos, pelos Pais da Igreja e pela Bíblia. Volta-se ao estudo das 
línguas originais das escrituras e ressalta-se, especialmente, as 
diferenças entre a Igreja do N.T. e a Igreja Romana. O humanismo 
ressalta o lugar e o valor do indivíduo. A salvação eterna passa a ser 
um assunto a ser resolvido entre a pessoa e Deus diretamente, sem a 
necessidade de in-termediários.
f. Religiosas - A uniformidade religiosa medieval deu lugar à 
diversidade religiosa no século XVI. A Bíblia começou a falar mais alto 
que os dogmas da Igreja Romana. O sacerdócio universal do crente foi 
substituindo a figura do sacerdote intermediário. Surgem as igrejas 
protestantes nacionais como a Anglicana, a Luterana, a de Gene-bra, a 
Presbiteriana etc.
"Entre a época da descoberta da América, por Colombo, e a fixação das 95
 teses na porta da igreja de Wittenberg, em 1517, por Lutero, 
transformações surpreendentes aconteceram ou começaram a acontecer. Os 
padrões estáticos da civilização medieval foram substituídos pelos 
padrões dinâmicos da socieda-de moderna (...)"
A turbulência da época se ilustra nas informações que se seguem:
Havia guerras ou conflitos menores praticamente em todas as nações. Os 
reis, os príncipes e os soberanos lutavam entre si por domínios 
territoriais, soberania e, também, contra o poder da Igreja Romana em 
seus governos. A questão da "Esfera da Soberania entre a Igreja e o 
Estado" tomava conta da Europa. Nos dias de Calvino o maior confli-to 
travava-se entre o imperador Carlos V e o rei Francisco I da França.
Quando Calvino chega a Genebra, como nos informa Ferreira, a cidade, à 
seme-lhança do que havia acontecido com outras da Suíça, acabava de sair
 do domínio "dis-cricionário do Duque de Sabóia e da tutela de ferro do 
bispo (Sadoleto?), seu aliado (...) – [o duque] que apesar de ser 
autoridade secular se sujeitava quase a uma condi-ção de vassalo do 
prepotente bispo que de fato governava (...). Foi reorganizado o governo
 com o concílio de duzentos (...) coadjuvado por um concílio menor e uma
 as-sembléia do povo".
Lembremos que João Calvino havia saído de Paris, indo primeiramente para
 Es-trasburgo, para fugir da ira e da perseguição dos que não admitiam 
aqueles que susten-tavam as idéias protestantes.
Havia, também, naqueles dias doenças e pragas que assolavam, às vezes, vilas inteiras.
Calvino era um homem de saúde frágil. Para piorar ele estudou em Paris 
na es-cola Montaigu, que, a despeito de ser um dos centros de maior 
academicismo de então, onde estudou Erasmo antes dele, deixava nos 
ex-alunos "(...)lembranças sombrias do ambiente insuportável, da 
disciplina cruel, da falta de higiene, da comida mal prepara-da, dos 
vermes (...) Os quartos eram próximos das privadas fétidas e 
infecciosas; mui-tos estudantes ali adquiriram enfermidades graves e 
incuráveis, alguns morreram e havia casos de cegueira e até lepra (...) 
Além disso, os castigos corporais eram prati-cados com severidade, as 
horas de estudo esticadas, com tempo limitado para as refei-ções."
Sua necessidade material era tão grande no começo de seu ministério 
pastoral que ele teve de vender parte da sua biblioteca para se 
sustentar. Sua primeira remunera-ção como pastor só veio 8 meses após 
ter começado a trabalhar e era, ainda assim, insu-ficiente para uma vida
 confortável. Havia dias em que ele não tinha como comprar co-mida.
Em meio aos grandes obstáculos Calvino tinha uma agenda cheia de 
compromis-sos essencialmente pastorais. Preparava seus sermões e aulas, 
pregava e ensinava, es-crevia cartas, ampliava as Institutas – para o 
maior benefício dos piedosos, recebia pes-soas para entrevistas e 
aconselhamentos, articulava o Movimento Protestante.
3. Como foi que João Calvino desincumbiu-se de todas as suas tarefas 
como pas-tor das ovelhas do rebanho que o Supremo Pastor lhe confiou?
Metade da sua vida, 27 anos, “o Francês” pastoreou o rebanho de Deus 
sendo conselheiro, encorajador e consolador das pessoas que lhe 
procuravam ou as quais ele procurava. Nas palavras de Ferreira "Calvino é
 pastor zeloso e incansável no seu esfor-ço em favor de suas muitas 
ovelhas, sofridas e angustiadas por males de toda sorte" .
Conforme registro de um dos seus colegas de ministério em Genebra, 
“(...) os que lhe procuram são recebidos com simpatia, gentileza e 
sensibilidade. Ele os atende e prontamente lhes responde as perguntas, 
mesmo as mais sérias delas. Sua sabedoria é demonstrada nas entrevistas 
particulares tanto quanto nas conversas públicas onde ele conforta os 
entristecidos e encoraja os abatidos...”
Entre outros exemplos que demonstram o seu cuidado para com as pessoas 
ao seu redor, há um acontecimento em 1538 que ilustra bem seu espírito 
pastoral. Calvino estava em Basiléia quando soube que um sobrinho de 
Farel havia contraído a peste. Sem hesitar, impulsionado pela compaixão 
de Cristo, ele vai à casa do rapaz a fim de confor-tá-lo e consolá-lo 
com as verdades e as promessas do evangelho do Senhor Jesus. Ali ele 
permanece, ajudando também nos afazeres domésticos e no cuidado com o 
mori-bundo até a sua morte. Além disso Calvino pagou as despesas daquele
 funeral.
A pregação do evangelho de Jesus Cristo, das Escrituras no seu todo, 
constituía o fundamento do seu labor pastoral. Ele estava convicto de 
que pela exposição da Pala-vra de Deus as almas são conduzidas à 
liberdade e à segurança da fé salvadora. A ver-dadeira pregação, segundo
 Calvino, abre a porta do reino de Deus aos ouvintes e lhes apresenta a 
graça de Deus de forma que eles a podem receber e dela usufruir em seus 
corações.
Suas cartas, escritas pelos mais variados motivos, demonstram seu 
interesse pelo bem estar eterno e temporal dos destinatários, muitos dos
 quais encontravam-se em cir-cunstâncias atribuladas, alguns pondo em 
risco as suas vidas por causa de sua fé. Entre a multidão delas destaco a
 que ele enviou ao Almirante Coligny, em 4 de setembro de 1558, quando 
este se encontrava preso e doente, às portas da morte. Calvino lhe diz 
que escrevia para “(...)fornecer-lhe uma prova do interesse que tenho na
 sua salvação” . O conteúdo da carta versa sobre Deus e sua glória e as 
promessas de Cristo aos que nele confiam. No mesmo dia ele escreveu 
também à senhora Coligny, aconselhando-a e en-corajando-a em um momento 
de grande aflição como aquele.
Além das cartas, das pregações, das Institutas e de seus comentários 
bíblicos, há também os textos polêmicos onde o Francês trata de assuntos
 difíceis e controversos como, por exemplo, seu tratado “Concernente aos
 Escândalos” no qual ele adverte os fiéis com respeito aos obstáculos e 
aos perigos da vida cristã, mormente em contato com a oposição de um 
mundo hostil aos valores e aos caminhos de Deus. Ao explicar a razão de 
escrever um texto assim ele diz: “(...) um livro assim aparece pela 
necessidade de muitos...Minha preocupação é com os fracos, pois quando a
 fé deles é abalada, então é nossa função rês -los com o sustento das 
nossas mãos” . Sua índole pastoral está também presente no confronto com
 seus oponentes teológicos conforme observa “(...) o verdadeiro pastor 
tem duas vozes diferentes: uma para chamar as ovelhas e outra para 
espantar os lobos que impedem o trabalho de Deus” .
4. Como era a sua agenda diária?
Em sua lide como Cura de Almas, o pastor Calvino buscava conciliar 
momentos privados e públicos. Seus compromissos públicos tais como 
pregações, aulas, palestras, aconselhamentos, entrevistas e visitas eram
 precedidos por horas de preparação em ora-ção e estudo pessoal. 
Lembremos que ele era o pastor responsável por uma equipe de pastores, 
professores e outros obreiros que, sob a sua batuta, serviam ao povo de 
Deus em suas necessidades. Havia também muitas questões administrativas a
 serem tratadas que requeriam um bom tempo.
Calvino acreditava que o ensino, além de ser público nos cultos, deveria
 ser a-companhado por discipulado pessoal e aplicado às circunstâncias 
específicas da vida de cada crente. Isso, obviamente, tinha lugar na sua
 agenda e na dos seus colegas. Atendia noivos que se preparavam para as 
núpcias, pais que trariam os seus filhos para serem batizados ou que 
enfrentavam dificuldades na criação dos filhos, pessoas com dúvidas ou 
dificuldades doutrinárias, visitava os enfermos, ouvia confissões 
daqueles que qui-sessem, por escolha pessoal, rês-las aos pastores, que 
as recebiam e promoviam o comforto e o encorajamento necessários .
Aos Domingos o culto matutino era às seis da manhã, às sete no inverno, e
 a ex-posição bíblica concentrava-se em textos do Novo Testamento; aula 
para catecúmenos ao meio-dia e outro culto às três da tarde, em que 
pregava no livro dos Salmos. Ele tam-bém pregava durante os dias da 
semana expondo os livros do Antigo Testamento do começo ao fim.
Além das suas tarefas como pastor de uma igreja local, é preciso lembrar
 que ele era articulador, provavelmente o maior, do movimento reformado.
 Genebra, conseqüen-temente, era o melhor lugar para se estar naqueles 
dias. Havia imigrantes e visitantes de todos os lugares. Consultas e 
pedidos variados surgiam de toda parte e a agitação rêscia a cada dia.
5. Qual ou quais eram suas maiores motivações no pastorado?
Seu chamado para a carreira pastoral, contrariando seus planos iniciais,
 instru-mentalizado de forma dramática por Farel, foi por ele entendido 
como uma vocação irresistível da parte de Deus. Calvino enfrentou forte 
oposição praticamente durante todo o seu ministério pastoral, mas foi em
 frente pois estava certo de que servia ao Deus único e verdadeiro, que o
 acompanhava em todos os momentos da sua vida.
Ele foi chamado a fim de cumprir uma missão. A missão de Deus e não sua 
pró-pria. Ele enfrenta os revezes sabendo que, embora nem todos os seus 
planos se concreti-zem, o plano de Deus está se cumprindo, também 
através da sua vida. Seu coração está nas mãos de Deus. Ele paga o preço
 da obediência ao Senhor e Salvador. Ele segue adi-ante atendendo em sua
 vida o que a sua mente entende e elabora a partir das Escrituras.
6. O que nós, pastores no século XXI, podemos aprender e praticar no ministério pastoral a partir do seu exemplo?
Creio que aqui podemos apontar a vida do nosso personagem como um 
exemplo de atendimento à orientação que o apóstolo nos dirige ao dizer: 
“Rogo, pois, aos presbí-teros que há entre vós, eu, presbítero como 
eles, e testemunha dos sofrimentos de Cris-to, e ainda co-participante 
da glória que há de ser revelada: pastoreai o rebanho de Deus que há 
entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer;
 nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos 
que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho. Ora, 
logo que o Supre-mo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível 
coroa da glória” (1 Pedro 5.1-4).
A espontaneidade no pastorado. Uma vez que estamos certos de que a 
vocação de nossas vidas é o pastoreio do povo de Deus, trabalhemos sem 
reservas, confiando naquele que nos vocaciona. O ministério pastoral, 
tal qual a vida cristã, sempre envolve-rá riscos, perigos e 
perseguições. Estamos lidando com valores eternos e mexendo no 
“vespeiro” da alma humana que, por natureza, é rebelde a Deus. Nosso 
colega francês do passado nos ensina que precisamos reconhecer nossas 
limitações pessoais e confiar que Aquele que nos chamou pela sua 
sabedoria e graça nos capacitará e nos fortalecerá em todo o tempo. 
Espontaneidade vem em conseqüência da confiança e da comunhão que temos 
no Senhor Jesus.
A boa vontade do cura de almas. É o desejo de ver prevalecer os caminhos
 san-tos e gloriosos do Senhor em meio ao descaminho humano. Pastoreamos
 assim quando andamos em direção contrária à corrupção interna e externa
 que nos assedia, seguindo pela vereda da justiça por amor do Seu nome, 
submetendo a nossa vontade pessoal aos bons e perfeitos desígnios do 
nosso soberano Deus. Essa atitude atrai outras pessoas que sabem que não
 serão meramente atendidas pelo pastor por obrigação da função, mas 
serão acolhidas e amadas pelo servo de Deus, que as ouvirá com atenção e
 as ajudará a andar na jornada da fé.
O modelo para o rebanho. O exemplo é mais eloqüente que as palavras. O 
pastor que vive aquilo que prega tem autoridade diante da sua 
congregação. O dominador im-põe ou reivindica respeito pela sua posição,
 mas o servo de Deus que anda em fidelida-de conquista a confiança dos 
seus irmãos em Cristo e conseqüentemente tem autoridade diante deles. 
Sua palavra é recebida com atenção e respeito. Ele liberta e não 
aprisiona. Ele constrói pontes e não obstáculos. Ele opta pela iluminada
 via da integridade evitan-do a politicalização dos assuntos. O rebanho o
 segue!
João Calvino fez escola! Ele foi um homem acima da média. Creio que 
pode-mos dizer que foi um gênio. Diante de homens da sua magnitude temos
 a tendência de criar uma personagem que obscurece a pessoa. Isto 
indubitavelmente tem acontecido no seu caso.
Resgatar o pastor João Calvino parece-me importante nesse momento em que
 os modelos pastorais tornam-se cada dia mais confusos e os pastores que
 servem a Deus com fidelidade, oração e desprendimento mais raros.
Creio que a atitude do nosso colega João Calvino continua muito própria e
 rele-vante, tendo lugar garantido entre nós na alvorada desse novo 
milênio. A sua decisão pode ser também a nossa: “(...)mas desde que me 
lembro que eu não mais pertenço a mim mesmo, eu ofereço o meu coração a 
Deus como um sacrifício”.
Soli Deo Glória.
Fernando Teixeira Arantes, rev.
Campinas – SP. (19) 32418533.
Texto originalmente publicado na Revista Teológica do Seminário Presbiteriano do Sul (Volume 62, Julho de 2002).
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Bibliografia (citada e consultada):
Baumann, John K. John Calvin as Pastor (documento que faz parte de 
Festschrift in Honor of Charles Speel, editado por Thomas J. Sienkewicz e
 James E. Betts e publicado por Monmouth College, Illinois, 1997).
Benoit, Jean-Daniel John Calvin, Contemporary Prophet – A Symposium 
editado por Jacob T. Hoogstra (Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1959)
Beza, Theodore The Life of John Calvin (http://blessedhope.simplenet.com/calvinbi.htm)
Bonnet, Jules Letters of John Calvin – Selected from the Bonnet Edition 
with an intro-ductory biographical sketch (Edinburgh: The Banner of 
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Bouwsma, William J. John Calvin – A Sixteenth Century Portrait (Oxford, UK: Ox-ford University Press, 1988)
Calvino, João, Institutas - Em Linguagem Simplificada [Livro I Cap.1] (São Paulo, SP: Socep, 1991)
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(João Calvino, Pastor)
 
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